08/03/2018 15:56:45
Rubens Augusto de Miranda
Pesquisador da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo
O aumento exponencial da produção de milho no Mato Grosso, passando de 5,8 milhões de toneladas em 2006/07 para 28,9 milhões de toneladas na última safra, um crescimento de 392%, elevou o estado à condição de maior produtor nacional do cereal. O protagonismo do Mato Grosso e de outros estados do Centro-Oeste mudou o mapa da produção de milho no Brasil. Na nova configuração, não apenas as regiões Sul e Sudeste perderam a predominância da produção, mas também o plantio passou a se concentrar na segunda safra.
Em meio a tanta oferta de milho, em áreas de fronteira agrícola, com baixo consumo relativo de grãos, começou-se a incentivar o desenvolvimento da agroindústria local para minimizar os problemas de escoamento da safra e agregar valor à produção. Neste quadro, surgiu o pensamento sobre o potencial do etanol de milho. Contudo, os preços proibitivos do cereal em 2015 e 2016 esfriaram parte do interesse da sua utilização como matéria-prima de biocombustível.
Nadando contra a maré da conjuntura transitória de altos preços do milho, que chegou a superar a marca de R$ 35,00 a saca de 60 kg em meados de 2016, a FS Bioenergia, localizada em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, apostou numa usina de etanol utilizando exclusivamente o cereal, a primeira do País deste tipo. A planta foi inaugurada em agosto de 2017, com a capacidade inicial de processar 600 mil toneladas de milho e produzir 210 milhões de litros de etanol. Até então, se discutia o milho para a produção de etanol como matéria-prima na entressafra da cana, por meio de usinas flex.
Para viabilizar a usina, mesmo em conjunturas de preços altos da matéria-prima, a FS Bioenergia também aposta na produção de subprodutos dos resíduos do milho. Assim, além do etanol, a usina tem capacidade para produzir 182 mil toneladas de DDGS (Dried Distillers Grains with Solubles – Grãos Secos de Destilaria com Solúveis), que é considerada uma alternativa nutricional e econômica de substituição dos cereais na dieta dos animais; 6.200 toneladas de óleo de milho e a exportação de 60.000 megawatts de eletricidade.
Após uma safra nacional 2016/17 recorde em torno de 100 milhões de toneladas, sendo que somente o Mato Grosso produziu 28,9 milhões de toneladas, resultando numa disponibilidade de milho considerável e queda das cotações, a aposta da FS Bioenergia parece ter sido acertada. Isso tem atraído a atenção para novos investimentos. Entretanto, num contexto mais amplo, cabe analisar o impacto do ingresso de novas usinas no mercado de etanol tendo o milho como matéria-prima.
A capacidade de produzir 210 milhões de litros de etanol de milho pela FS Bioenergia representa 27,4% do consumo de etanol (anidro e hidratado) no Mato Grosso em 2016. Lembrando que o milho ainda concorre com a cana-de-açúcar na produção de etanol. Hipoteticamente, caso o etanol consumido no estado fosse produzido apenas com milho, seriam necessários 1,8 milhões de toneladas do cereal, considerando a produtividade de 420 litros por tonelada, para abastecer completamente a demanda estadual. Essa quantidade representa 6,3% do milho produzido pelo estado na safra 2016/17.
Olhando apenas o consumo estadual de etanol, o mercado local estrangula o potencial do milho, pois a demanda é pequena frente as grandes possibilidades de oferta. Assim, é preciso olhar além da fronteira do estado. O problema é que estados divisórios, como o Mato Grosso do Sul e Goiás, também estão entre os maiores produtores de milho do País, podendo produzir etanol com o cereal e frustrar investimentos em novas plantas industriais no Mato Grosso. Os estados da região Norte têm sido apontados como destinos potenciais, mas o consumo total de etanol deles é apenas pouco superior ao do Mato Grosso.
No fim das contas, a despeito do bom negócio do etanol de milho que vem sendo propalado pela FS Bioenergia, a expansão do mercado passará pelo mesmo drama defrontado pelos produtores de grãos nas fronteiras agrícolas, que é o de escoar a produção para os grandes centros consumidores, situados a centenas ou mesmo milhares de quilômetros de distância. A logística de escoamento da produção do Centro-Oeste é um debate de longa data e, talvez, o etanol de milho possa contribuir para a solução final do problema. Infelizmente, somente nos próximos anos saberemos se esse novo fôlego do etanol de milho resultará, ou não, apenas numa tosse.